pelos 30!

domingo, 2 de maio de 2010

O cheiro do abraço não devolvido...

(fonte da imagem)

>>>Domingo de sol, e a vontade de ver o mar o tortura. Me tortura menos, mas queria ver o mar também. Enquanto ele arrumava a mala, fiquei recostado na parede observando os detalhes, a forma como organiza as coisas. Nunca tinha prestado a atenção. Primeiro as cuecas novas separadas das mais velhas num saquinho, depois as bermudas de um lado e as camisetas enroladinhas do outro. Calças jeans, umas 5, uma sobre a outra e dois cintos.

“Vai demorar muito?", perguntei.
“Não sei, não comprei voo de volta.”
“Como não?”
“É, depois eu compro na semana que vem, talvez."
“Não gosto disso, não gosto de incertezas.", falei.
“Então vai ter que se habituar porque na vida nada é tão certo como muitos pensam. Um professor meu disse na faculdade que a racionalidade é uma forma de a gente fingir para nós mesmos que temos controle das coisas. E o tempo fragmentado, controlado, marcado cronologicamente é um exemplo dessa tentativa.”
“Então deu para filosofar agora... Você acredita mesmo nisso?”
“A história não é que acredito ou deixo de acreditar, mas quero dizer que você vai ter que se acostumar com as incertezas enquanto...”

Esperei ele completar. Cheguei a contar até 20 segundos.

"Não vai terminar a frase?”
“Ah, esquece.”

Odeio quando as pessoas não concluem o pensamento quando conversam comigo, disse para mim enquanto o observava tentando fechar o zíper da mala.

De fato, pensei muito no que ele falou sobre o tempo. Lins às vezes me surpreende, parece uma forma de me tirar do sério.

Ainda esperei ele falar no dia em que voltaria, mas me deixou nessa dúvida. Ele faz questão de me inquietar, sente-se feliz por isso, eu penso. Ultimamente, suas saídas, suas fugas, suas idas sem volta  marcada são mais constantes.

Sinto-me incompetente diante das coisas, e, depois que ele se aborreceu porque eu havia escrito sobre ele para o leitor aqui, ele fechou-se para mim. Ao contrário do que imaginei, ele abriu-se para o mundo, ganhou mais vida, virou um sonhador. Que mal há entre mim e ele, que mal há entre nós? Não consigo entender, não mesmo.

Somos diferentes, devo admitir... não queria que fôssemos. Que droga de vida! Outro dia caminhava pela Avenida e uma adolescente me grita: Lins, Lins... não fala mais comigo? Está falando comigo?, pergunta óbvia a minha. Sim, ela disse, não me reconhece mais? Não sou o Lins, e segui. As pessoas nos confundem muito não sei por quê.

“Já vou sair!”
“Eu sei, eu vi faz uma hora.”
“Não vai me dar um abraço?”
“Não! Não consigo.”
“Então eu te dou por mim e por ti assim mesmo.”

Abraços não acontecem por um lado apenas. Abraços não funcionam se não houver verdade. Se não houver aperto, um toque recíproco. É como um aperto de mão frio, sem força, sem ida e volta simultânea num encontro de sentidos. Disse isso baixinho enquanto chorava por dentro de mim mesmo. Não era por causa da saudade antecipada, era um sentimento ruim, uma angústia de não conseguir levar a vida assim como se tudo fosse hoje, o único dia de meus 30, o fim.

Senti o cheiro de perfume em minha camiseta ainda. Por um segundo, pensei em mantê-lo porque era o resto do abraço não devolvido por mim. Concluí: abraços não existem se não houver troca, se não fizer sentido - mesmo que o respingo do perfume fique um pouco em nós como um rastro em areia de praia em tempos de chuva fina. Aos poucos, os chuviscos vão apagando lentamente aquela marca de pé. E na camiseta igualmente: o vento vai levando a fragrância até se perder, até se perder, até não mais fazer sentido.

7 comentários:

  1. Petro...parece me que alguém anda em crise...a crise que antecede os 30 anos,a hora de fazer o balanço das coisas e perceber talvez que Lins, tenha razão de ser assim, meio sem razão...meio pressa e emoção...Eu pergunto-me tbm, se não é a hora de enlouquecer, fazer coisas que ainda não fiz...por ser prudente...quem sabe... deixar a vida me fazer mais doido...Mas não entendo Petro, pelo que me parece e pelo que me confidenciou, vc nasceu bem depois de Lins...foi o que disse-me, que bem depois nascia Petro para narrar a história de Lins...e pergunto-me qual os laços que os unem, irmãos? amigos? gostaria de saber...
    Bom voltando ao texto do autor... sabe tbm guardo o cheiro de perfumes de pessoas que foram embora...eles talvez tenham perdido-se no vento...mas não em minha memória olfativa...e por vezes volto a sentí-los...

    Abraço e desejos de uma boa semana!

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  2. Oi Petro, li, gostei da forma como vc narra, mas, pelo que estou entendendo, é uma mistura de ficção com realidade, enfim, mas vou ficar no campo da ficção, assim não aborreço o Lins ainda mais rs. Olha, eu acho que as pessoas por mais que estejam num relacionamento superbacana tem lá as suas diferenças e temos que aprender a lidar com isso. Não dá pra sonhar com um relacionamento apenas na "zona de conforto", seria ótimo, mas quase impossível. Fica a torcida para que tudo se resolva, tá? Abraço! P.S. E, mais uma vez, obrigado pelo selo!

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  3. Petro
    Estou relembrando a vida através do Lins...
    Maravilha de texto! Fico cada vez mais encantada!
    Parabéns!

    Um beijo

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  4. Petro meu camarada, tenho selos no Mundo do Gê esperando por vc...!
    Abraço!

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  5. Lindo texto... um toque de tristeza... mas eu gosto disso!

    Obrigado pela visita lá no blog... gostei muito!

    PS... também já estou chegando na casa dos 30's hehehe

    Grande abraço!

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  6. Mesmo pegando o trem nessa estação, vejo que se trata de uma história muito bonita.

    Gostei muito do que escreveu no meu blog, foi de grande valia!!Obrigado!

    Abraço!

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  7. Fiquei reflexivo demais com isso que vc escreveu. Parecia dar pra ver tudo.
    Lindo demais.
    Abração

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