(Foto: M. Araújo)
>>> Pensei bastante neste dia de domingo de pouco sol. Fui acusado injustamente pelo Lins de que tento dar uma versão de sua vida, distinta daquilo que ele realmente é. Não me importa o que ele seja, o que os outros sejam para mim; importa o que ele e tantos outros me parecem ser ao longo do tempo nesta vida.
Ele me parece mecânico por nunca refletir sobre seus atos... às vezes fechado em si mesmo, às vezes expansivo demais para meu gosto. Essa é a imagem que me passa. Tenho culpa de pensar assim? Foda-se se eu tiver errado.
Antes eu não queria tecer um comentário mais direto a seu respeito, mas hoje me vejo empurrado a fazê-lo. Tudo bem que, ao tecer alguma avaliação a seu respeito, acabo revelando o meu “eu”, um pouco de mim. Eis o meu paradoxo: ao dizer sobre o outro eu digo, [inconscientemente?], sobre mim. É uma questão de aparência? Talvez...
Sei que não devemos nos ater às aparências. Mas se não nos centrarmos nas aparências, naquilo que o outro me revela a partir de seu comportamento, a que devo me ater? Seria ideal que pudéssemos conhecer profundamente o outro, com suas idiossincrasias, para daí falarmos dele, de ti, de mim. No entanto, isso é quase impossível. Não damos conta desta verdade, desta identidade mais pura, deste “ego” íntegro, até porque o outro não é o que é senão aquele que nós ajudamos a constituir nos espaços, na sociedade.
A criança que fomos, por exemplo, a criança que há em nós se apagou ao longo do tempo porque nossos pais nos fizeram grande, nos exigiram um comportamento adulto, a sociedade nos faz adulto demais – quase máquinas. Não penso em questão biológica que nos faz crescer, mas na história de nossas vidas, naquilo que exige que nós nos comportemos como homens e mulheres responsáveis por nós mesmos.
Tal conclusão me veio hoje porque Lins me passa essa ideia, ele é imaturo às vezes (ou não?). Na verdade, Lins ainda não se deu conta de que o tempo está passando. Ele não é mais uma criança, um meninote de 17 anos. Lins é um homem de quase 30, isso ele não pode negar. O tempo o envelhece o tempo todo, é verdade. Foda-se o tempo! - ele dirá daqui a mais 30 anos ao ler estas memórias. E eu posso descobrir que eu estava errado.
De uma coisa, tenho certeza. Ao longo do tempo não temos como dizer quem somos, mas como estamos sendo, afinal a vida é um eterno contínuo de nós mesmos. Lins pode até me acusar, mas ele precisa admitir para si próprio de que a gente morre um dia para dar espaço aos outros que vivem por mais alguns instantes. Eis uma crueldade inevitável, mas necessária... uma conclusão simplesmente medíocre.